Quando
é hora de procurar uma psicoterapia?
Artigo
do psicólogo e psicanalista Christian Ingo Lenz Dunker
Pedir
ajuda é um grande sinal de salubridade psíquica. Indica que você foi capaz de
perceber e autodiagnosticar uma forma de sofrimento.
A
vida não vem sem sofrimento e miséria. Se isso fosse suficiente para determinar
a procura de ajuda seria simples: psicoterapia para todos. Não penso que seja
este o caso. Há situações como
dependências químicas, disposições de personalidade e sintomas específicos para
os quais a maior dificuldade é procurar tratamento. Se o sintoma deixasse o
sujeito pedir ajuda, “meio caminho já teria sido andado”. Nesta linha a
psicoterapia só seria possível para aqueles para quem ela já não é mais
necessária.
Pedir
ajuda é um grande sinal de salubridade psíquica. Indica que você foi capaz de
perceber e autodiagnosticar uma forma de sofrimento. Sugere também que você
entende que isto não é apenas uma deficiência moral, uma insuficiência de sua
educação ou uma ofensa ao seu sistema de crenças. O autodiagnóstico é parte do
processo de cura. O clínico tenderá a interpretar este movimento crítico como
parte de seu desejo de transformação.
Antigos filósofos já diziam que era difícil suportar a ideia de ser
“libertado pelo outro”, tanto porque isso indica passividade e fraqueza, quanto
porque seria uma liberdade falsa, obtida por meios que não são próprios. Esta
oposição entre resolver-se por si, “aceitando-se como você é”, ou pedir ajuda e
ficar dependente nas “mãos do outro” deve ser superada. Como em tudo mais na
vida, atravessamos problemas e nos tornamos autônomos com os outros e não sem
eles. Contudo, isso não explica quando um sintoma se torna insuportável a ponto
de demandar tratamento.
Os
verdadeiros sintomas não se definem pelo código social de condutas desejáveis,
mas por duas formas específicas de relação que mantemos com o que fazemos. Há
os sintomas baseados na forma “ter que”, definidos pela coer-citividade.
Exemplo. Trabalho, como todo mundo, todo dia, e me queixo ou me felicito nele.
Isso pode ser um sofrimento “suportável”. No entanto outra pessoa dirá: “eu
tenho que” ir trabalhar, porque se não for “algo acontecerá”, sentirei angústia
extrema, serei criticado impiedosamente pelo chefe, e assim por diante. Há aqui
o recobrimento de um “comportamento aceitável” (trabalho) por uma disposição patológica
(coerção subjetiva a).
A
segunda família de sintomas obedecem à gramática do “não posso com”. São
situações que podem parecer irrelevantes, ou plenamente aceitas socialmente,
mas que são vividas com sofrimento adicional. Exemplo: “não posso com baratas,
com ratos, com pessoas deste ‘tipo’, com mulheres desta ‘forma’, com perdas,
com ganhos” e assim por diante. O diagnóstico que autoriza um tratamento
psicoterápico está mais atento a esta incidência “subjetiva” do “ter que” ou do
“não posso com” do que com a norma de vida esperada para alguém ou época.
Ainda
que únicos os sofrimentos são igualmente trágicos e cômicos. Eles são o que as
pessoas têm de melhor e também de pior. São como obras de arte que se tornam o
bem mais precioso e inarredável de alguém, são também sua religião particular,
feita de ritos, mitos, orações e devoções. Quando temos um nome para o
mal-estar, uma história para nosso sofrimento, os sintomas revelam-se uma
maneira de dizer o que não pode ser dito por outras vias. Talvez a função do
psicoterapeuta ou do psicanalista seja parecida com a de um carteiro que pega
cartas embaralhadas, as cartas de nosso destino, e ajuda a entregar as que
podem ser entregues, reenviar as que estão sem destinatário e cuidar daquelas
que ainda não foram escritas.
Postado pela Viver Mente e Cérebro: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/quando_e_hora_de_procurar_uma_psicoterapia_.html